Junto com parceiros estratégicos, instituição aposta no blended finance para alavancar o apoio à produção de cacau sustentável na Bahia e no Pará.
Em 2019, o agricultor agroecológico Gean Carlos, do Assentamento São João, em Ibirapitanga, no baixo sul da Bahia, acessou crédito na Tabôa pela primeira vez. Cultivando cacau no sistema cabruca há mais de 20 anos, ele encontrou, na linha de crédito mais simplificada e acessível, a oportunidade de investir no beneficiamento de amêndoa de qualidade. “Tínhamos conhecimento da existência do cacau de qualidade, mas não conseguíamos fazer, porque não tínhamos estrutura”, conta. Com o crédito, vieram também as orientações realizadas pelo acompanhamento técnico para melhor manejar o solo e o cacaueiro, e dominar as etapas de beneficiamento para produção de cacau fino.Nos dois anos seguintes, Gean renovou o financiamento e investiu em um Sistema Agroflorestal Agroecológico (SAFA), custeio e adubação. “A área SAFA mostra que somos capazes de produzir não só o cacau, mas outras culturas que nos trazem uma melhoria de renda, e que são tão importantes como o cacau, pois vão suprir a renda quando não tiver o fruto”, avalia. Os investimentos realizados e os conhecimentos acessados contribuíram para aumentar a produtividade da área em 24% e a renda com cacau em 146%*.
Gean é um dos 872 agricultores e agricultoras familiares impactados pelas 1.058 operações de crédito realizadas pela Tabôa até 2024. Quando criou uma metodologia própria de concessão de crédito em 2017, a instituição pretendia fazer frente aos desafios históricos enfrentados por famílias agricultoras no acesso a linhas convencionais de financiamento. Com processos mais simplificados, acessíveis e contextualizados para a agricultura familiar, a metodologia se diferencia, dentre outros pontos, por associar o recurso financeiro ao acompanhamento técnico rural (Ater).Com inadimplência perto de zero e ganhos expressivos de produtividade e renda pelos/as agricultores/as, essa metodologia de atuação tem se consolidado como importante estratégia de geração de impactos socioambientais nos territórios, fomentando o fortalecimento da cadeia produtiva do cacau e a adoção de manejos de baixo impacto ambiental. “A gente conseguiu criar um jeito novo de ofertar crédito junto com Ater que é muito aderente às especificidades da agricultura familiar. Ao operar uma metodologia com inadimplência abaixo de 1%, mostramos que essa é uma atividade possível, sustentável e que gera impactos na renda e na produtividade. Então, é uma contribuição significativa para o campo”, avalia Roberto Vilela, diretor executivo da Tabôa.
Outras particularidades desse jeito de fazer da Tabôa são o uso da garantia solidária, em que pequenos grupos de três a 10 agricultores se tornam avalistas uns dos outros, e a elaboração de planos de investimentos junto com cada agricultor/a. “As propostas são construídas com base na realidade de cada indivíduo, levando em consideração o seu jeito de trabalhar e suas necessidades. Então, o agente de crédito está preparado para apoiar o agricultor, ajudando-o a identificar o que ele de fato precisa. Após 45 dias da liberação do recurso, o agricultor recebe uma visita de nossa equipe técnica para revisar se o que foi planejado está em andamento”, explica Gabriel Chaves, gerente de Desenvolvimento Rural da Tabôa, que também destaca os benefícios da diversificação de culturas adotada por quem acessa os recursos: “a cacauicultura cultivada no sistema cabruca é um sistema agroflorestal. Tem uma cadeia de produção que não é só o cacau e produz outros alimentos que também geram fontes de renda para a família agricultora”. Do total de créditos já concedidos pela Tabôa até 2024, 95% tiveram como foco o fortalecimento da cadeia produtiva do cacau, especialmente no sistema de cultivo conhecido como cabruca. Dos 834 agricultores/as cacauicultores que acessaram recursos financeiros e técnicos, 67,5% são assentados de reforma agrária e 29% são mulheres. "A cacauicultura é uma atividade bastante antiga na região sul da Bahia. Os nossos agricultores sabem o que precisam fazer e, na maioria das vezes, o que falta é recurso para executar, e um técnico que o acompanhe e oriente sobre melhores práticas”, comenta Gabriel.
Blended finance para ampliar escala
Os expressivos resultados alcançados, a partir da comprovada eficácia da metodologia, criaram o lastro necessário para ampliar a escala do trabalho. Para tanto, a Tabôa somou forças com parceiros estratégicos no desenho de arranjos inovadores que permitissem alavancar a mobilização de recursos para concessão de créditos. Foi, assim, que, em 2020, lançou, junto com o Grupo Gaia, Instituto Arapyaú e Instituto humanize, o primeiro CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) Sustentável do Brasil. Estruturada no conceito de blended finance, modelo de financiamento que combina diversas fontes de recursos, como filantrópicos, de mercado e públicos, a iniciativa beneficiou 271 agricultores/as em 11 municípios baianos. Entre 2020 e 2023, foram concedidos R$ 2,2 milhões em créditos, contribuindo para um aumento de 60% de renda entre agricultores/as apoiados/as e impactando uma área de 1.159 hectares, seja conservada, plantada ou reflorestada.Em 2024, teve início um segundo ciclo do CRA Sustentável, ampliando o alcance na Bahia e replicando a experiência no Pará, também com agricultores familiares produtores de cacau. Essa nova operação, idealizada pelo mesmo grupo de parceiros do primeiro CRA Sustentável, ganhou reforços importantes, como o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de edital lançado, em 2022, com o objetivo de fomentar o uso de estruturas de financiamento híbridas no país. A proposta apresentada pela Tabôa foi contemplada em primeiro lugar na categoria de bioeconomia florestal.
Com aporte de R$ 4 milhões, o apoio não reembolsável do BNDES contribuiu para alavancar em quase seis vezes recursos de terceiros para a iniciativa. No total, a operação irá mobilizar R$ 23,6 milhões, dos quais R$10,3 milhões por meio de CRAs e cerca de R$ 13,3 milhões de fontes diversas. Os recursos foram alavancados de investidores de mercado, filantrópicos, concessionais e de impacto de diferentes instituições, entre elas o Instituto Arapyaú, Instituto humanize, Rabo Foundation, Instituto Itaúsa, BNDES e Fundação Solidaridad, que também é responsável pela Ater no estado do Pará.
Nos próximos cinco anos, a iniciativa irá apoiar 618 agricultores familiares de cacau em 25 municípios nos estados da Bahia e Pará, buscando fortalecer o cultivo sustentável de cacau em dois mil hectares, enquanto conserva e protege outros três mil hectares de vegetação nativa. Na Bahia, a assistência técnica rural é realizada pela Tabôa, Consórcio Intermunicipal do Mosaico das Apas do Baixo Sul – Ciapra e Secretaria Municipal de Agricultura de Itacaré. “Para ampliar escala do trabalho de fortalecimento da agricultura familiar, que já temos realizado desde 2017, aprendemos a compor interesses e forças de diferentes atores. Então, a gente está atuando com um arranjo colaborativo, que envolve, por exemplo, uma fundação na Amazônia, um consórcio de municípios do Baixo Sul da Bahia, além de um conjunto de atores operadores que são as organizações do mercado financeiro, investidores, comerciais e filantrópicos”, explica Roberto Vilela.
E esses aprendizados já estão permitindo novas expansões. No último dia 20 de março, durante o encontro da Fundação Mundial do Cacau, em São Paulo, foi anunciado o lançamento do Fundo Kawá, que irá fomentar um ecossistema de agricultura familiar e regenerativa no Brasil. Criado pelo Instituto Arapyaú, Violet, MOV Investimentos e Tabôa, a iniciativa – que é um Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) – pretende beneficiar, em sua primeira fase, 1.200 agricultores na Bahia e no Pará, com cerca de R$ 30 milhões.
As três operações acima utilizam o blended finance como modelo de financiamento e a metodologia da Tabôa para concessão de crédito aos agricultores familiares. Com recursos para investir e apoio técnico para implementar boas práticas de agricultura regenerativa, famílias agricultoras melhoram sua qualidade de vida e fortalecem seu protagonismo na construção de territórios mais sustentáveis e resilientes às mudanças do clima.
* A história de transformação de Gean Carlos por meio do acesso ao crédito é contada em relatório produzido pela Tabôa. Para saber mais, leia aqui.
Fotos: Acervo Tabôa | Analee.
Fotos: Acervo Tabôa | Analee.


