Eventos climáticos extremos têm acontecido cada vez com mais frequência em decorrência das mudanças climáticas. Enchentes ou secas, extinção e migração de espécies, comprometimento da produção de alimentos pela mudança da vegetação ou falta de água suficiente para as plantações são apenas alguns exemplos de como cada lugar reage ao aumento de temperatura causado pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), principalmente o dióxido de carbono (CO2).
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) oficializou que 2023 foi o ano mais quente já registrado, gerando enormes impactos sociais, econômicos e, claro, ambientais. Dentre as populações mais afetadas pela nova condição climática estão agricultores/as familiares, que têm sua segurança alimentar e qualidade de vida diretamente comprometidas. A condição de vulnerabilidade fica ainda mais grave quando aplicados os recortes de gênero e faixa etária. O relatório The Injustice Climate (2024)¹ evidencia que, anualmente, mulheres chefes de família em comunidades rurais sofrem perdas financeiras significativamente maiores do que os homens.
Nesse cenário, a adaptação de famílias agricultoras a um mundo em crescente variabilidade climática é uma necessidade emergencial e deve incluir o enfrentamento a diferentes desigualdades vivenciadas por esse grupo populacional, tais como o seu acesso restrito a recursos produtivos.
Por outro lado, quando pensamos em agenda climática no Brasil, os sistemas alimentares são um ponto crucial, uma vez que a agropecuária respondeu, em 2022, por 27% das emissões brutas de CO2 no país, o que equivale a 617 milhões de toneladas². Mostra-se, assim, importante investir no fortalecimento de práticas agropecuárias mais sustentáveis que contribuam, dentre outros pontos, para estocar carbono e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que produz alimentos e gera renda.
E aqui novamente a agricultura familiar se destaca, mas, agora, a partir de suas potenciais contribuições para a proteção da biodiversidade e promoção de comunidades mais resilientes, por meio de práticas agropecuárias de baixo carbono e sistemas alimentares sustentáveis com foco nos territórios, capazes de promover a regeneração de ecossistemas.
Empoderamento socioeconômico e resiliência climática
Desde 2017, a Tabôa tem investido no fomento à agricultura familiar, em especial aquela que atua com a cadeia de valor do cacau, buscando impulsionar potencialidades e reduzir vulnerabilidades, contribuindo, inclusive, para aumentar suas capacidades adaptativas e a resiliência climática nos territórios. Felipe Humberto, gerente de Bioeconomia e Sustentabilidade da Tabôa, explica que “a nossa missão é fortalecer comunidades por meio de acesso a recursos financeiros, conhecimento e estímulo à cooperação. Ao fazer isso, aumentamos a capacidade adaptativa das comunidades, pois as que têm mais acesso a recursos e conhecimentos têm maior poder de reação diante de eventos extremos”.
Diante do desafio enfrentado por famílias no acesso a linhas convencionais de crédito, desenvolvemos uma metodologia de crédito rural que já beneficiou centenas de agricultoras/es familiares, grande parte deles residentes em assentamentos ou projetos de assentamento de reforma agrária. O trabalho se diferencia por implementar processos mais acessíveis e simplificados, nos quais o plano de investimento é construído junto com o/a agricultor/a, contextualizando o empréstimo à sua realidade.
O crédito é associado à Assistência Técnica Rural (ATER), auxiliando na produção, beneficiamento, comercialização, regularização de agroindústrias e certificação orgânica. O trabalho apoia e estimula a transição para métodos de produção mais saudáveis e sustentáveis, a exemplo da agricultura de baixo carbono e da agroecologia. “Atuamos por meio de iniciativas que promovem o manejo sustentável da floresta de maneira a mantê-la em pé, para que possa estocar e sequestrar carbono, e isso contribui para ações de mitigação de efeitos das mudanças climáticas”, conta Felipe.
Só em 2023, foram investidos R$ 3,3 milhões em repasse de créditos para 252 agricultores/as familiares, sendo 90% para custeio de cacau. O recurso também é utilizado para diversificação de culturas por meio do investimento em áreas de Sistemas Agroflorestais, permitindo maior produtividade, melhor uso do solo por meio de práticas de baixo impacto ambiental.
O crédito e a ATER também têm fortalecido agricultores/as agroecológicos e em transição agroecológica. As ações acontecem em colaboração com a Rede de Agroecologia Povos da Mata, com quem a Tabôa correaliza a plataforma Muká, desde 2019. Com o compartilhamento de conhecimentos, tecnologias e recursos necessários para fortalecer a produção agroecológica de alimentos saudáveis, fomenta-se a proteção da sociobiodiversidade e a distribuição justa de renda no campo.
Restauração florestal com inclusão produtiva
Em outra frente, em parceria com o Ministério Público do Estado da Bahia, por meio da Promotoria Regional Costa do Cacau Leste, está em curso uma experiência piloto com foco no fomento à restauração florestal com inclusão produtiva. A iniciativa busca promover a recuperação da cobertura florestal com a restauração ecológica e produtiva em áreas produtivas, áreas de proteção permanente e de reservas legais. “Essa ação contribui para geração de renda, e consequentemente, da capacidade adaptativa, e também da mitigação, por meio do sequestro de carbono com o crescimento das árvores”, conta Felipe.
O projeto começou a ser desenhado em 2022 e, em dezembro de 2023, a Tabôa iniciou o trabalho junto a quatro agricultores familiares, em áreas de 3,5 hectares, com o mapeamento de zonas passíveis de restauração. A partir disso, eles passaram a contar com apoio da instituição para recuperação da cobertura florestal, com restauração ecológica e produtiva em suas áreas.
A iniciativa, que será implementada, especialmente, com famílias de assentamentos ou projetos de assentamentos de reforma agrária, busca contribuir para reduzir impactos negativos decorrentes de um contexto de vulnerabilidade social e climática, subutilização da terra, desmatamento, acompanhamento técnico insuficiente e dificuldade de acesso a crédito. A previsão é de que, quando o projeto estiver em plena execução, as ações alcancem 445 famílias de 11 assentamentos do Sul e Baixo Sul da Bahia, cujas áreas foram disponibilizadas para restauração.
¹ FAO. 2024. The unjust climate – Measuring the impacts of climate change on rural poor, women and youth. Rome. https://doi.org/10.4060/cc9680en
² Dados do relatório Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil, disponível em www. Relatorio-SEEG_gases-estufa_2023FINAL.pdf (oc.eco.br) (Acesso em 05/04/24).
Fotos: Acervo Tabôa | Analee.