
A metodologia do projeto traz um arranjo inovador, que inclui a oferta de crédito e acompanhamento técnico rural (Ater) pela Tabôa, para apoiar a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) biodiversos e produtivos, e o pagamento por Serviços Ambientais (PSA) aos agricultores pela recuperação de áreas degradadas. A previsão é de que sejam recuperados 30 hectares no sul da Bahia até 2029.
Na entrevista abaixo, Felipe Humberto, gerente de Restauração e Cadeiras Produtivas, e Laís Rossatto, coordenadora do projeto, ambos da equipe da Tabôa, nos contam um pouco mais sobre essa iniciativa, que conta com apoio Fundação Arymax, Instituto humanize, Fundo Pranay e Instituto Clima e Sociedade (iCs).
Desde 2017, Tabôa atua no fortalecimento da agricultura familiar por meio de diferentes estratégias. Podem nos contar sobre o que motivou a criação dessa nova frente de atuação e como se organizam as ações no campo?
Felipe Humberto: Apesar das obrigações legais referente à obrigatoriedade de recomposição de áreas de preservação permanente (APPs) e de recuperação de áreas degradas em imóveis rurais, a agenda da restauração florestal no Brasil encontra diversos obstáculos para seu avanço, principalmente para a agricultura familiar. Também se evidencia diversos obstáculos para a transição dos atuais sistemas produtivos agrícolas para modelos regenerativos e, ao mesmo tempo, rentáveis para as famílias agricultoras. Nesse sentido, o que buscamos é criar, junto com as comunidades participantes, uma solução que contribua para superar obstáculos tanto da agenda da restauração ecológica de áreas de preservação permanente quanto da restauração produtiva de áreas degradadas ou subutilizadas. A ideia central é fomentar a geração de renda para se alcançar a recuperação ambiental. Partimos da premissa que um dos principais gargalos de famílias agricultoras na implantação de sistemas produtivos agrícolas regenerativos é o acesso a recursos financeiros, tendo em vista os altos custos iniciais para a implantação dos projetos e a insegurança técnica para o desenvolvimento de novos modelos produtivos.
Laís Rossatto: A ideia é, a médio e longo prazo, contribuir para destravar a agenda da restauração na agricultura familiar e nas áreas de reforma agrária. A Tabôa já tem um acúmulo muito positivo de inserção no território com as ações de desenvolvimento rural, onde agricultores(as) familiares têm acesso a crédito e assistência técnica de forma facilitada. Dessa forma, a instituição acompanha comunidades parceiras com diversos projetos e tem facilidade de diálogo para propostas inovadoras como esta. Para o projeto de restauração, essa relação é de fundamental importância visto que o projeto precisa de um nível de engajamento e comprometimento mútuo.
De forma sintética, estamos disponibilizando crédito voltado para restauração de áreas degradadas – já previamente mapeadas nas comunidades parceiras. Cerca de 60% do valor do crédito tem a possibilidade de ser pago através de PSA, que é o Pagamento por Serviço Ambiental, no qual agricultores entram com o imprescindível componente da mão-de-obra. A Tabôa oferece acompanhamento técnico especializado e monitora a implementação das áreas para a validação do PSA. Os SAFs iniciam com produções de ciclo curto, seguidos de banana e, posteriormente, terão o cacau e a juçara como componentes produtivos, intercalados com árvores nativas da Mata Atlântica.

Felipe Humberto: Foram doadas ao todo R$ 90 mil para quatro agricultores familiares recuperarem 3 hectares de áreas degradadas ou subutilizadas. A experiência contribuiu para testar algumas das hipóteses e também formas de trabalho nessa agenda. Por exemplo, nos ajudou a confirmar se o orçamento projetado para implantação e manutenção por três anos de 0,85ha de SAF e 0,15ha de APP é factível no campo. Isto trouxe mais segurança para a expansão do projeto para 30ha. Outro ponto é que, considerando a necessidade de se pensar em soluções escaláveis e replicáveis, ter o agricultor como principal agente de implantação dos projetos é essencial para se escalar a solução. Esse piloto reforçou a importância de apoiarmos protagonismo dos agricultores, desde a compra das mudas, implantação das áreas e decisões para corrigir cursos e responder aos desafios apresentados surgidos durante a implantação. Outro ponto importante foi a validação de que o acompanhamento técnico contínuo e próximo ao agricultor é essencial.
Também foi validar, a partir da prática, que é fundamental iniciar os projetos no verão, para o sucesso de desenvolvimento das plantas de serviço e da placenta. Caso as implantações ocorram após o verão, os riscos iniciais de perdas aumentam significativamente.
São muitos os aprendizados que trouxemos para essa nova etapa do projeto e uma das confirmações mais importantes que o piloto nos trouxe é sobre a capacidade de geração de renda durante a implantação de sistemas produtivos regenerativos em áreas degradadas.
No projeto que está sendo iniciado, há a previsão de apoiar agricultoras/es familiares, grande parte delas/es assentadas/es de reforma agrária, na restauração de 30 hectares de áreas degradadas. Qual a importância de fortalecer o protagonismo dessas pessoas como agentes de conservação e regeneração em seus territórios?
Laís Rossato: É sabido que as práticas da agricultura familiar, dentro ou fora das áreas de assentamentos, são práticas mais ecológicas e sustentáveis do que a agricultura em grande escala, baseada no monocultivo e uso intensivo de mecanização e insumos químicos. Portanto, pode-se dizer que o modo de vida camponês já tem em seu DNA a conservação e a regeneração, pois o uso do solo é mais comedido e melhor aproveitado. Ainda assim, existem áreas degradadas nos territórios camponeses, e, no caso do projeto de restauração, majoritariamente em assentamentos. Ao longo do tempo houve iniciativas de restauração, mas, por falta de aporte e incentivo, ficaram limitadas a pequenas áreas. Nesse sentido, o projeto prevê o pagamento por serviço ambiental para incentivar agricultoras e agricultores e apoiá-los com recurso financeiro, para que possam disponibilizar seu tempo e trabalho desenvolvendo essa atividade tão importante.
Felipe Humberto: O protagonismo de agricultoras e agricultores é fundamental para escalar a solução. Eles são parte da equipe do projeto. Além disso, o protagonismo desses agricultores é fundamental para que eles sejam agentes multiplicadores e suas experiências sirvam de inspiração para a implantação de sistemas agrícolas produtivos regenerativos e na recuperação de áreas de preservação permanente. Quando a recuperação passa a ser feita por eles e para eles é esperado que isso reverbere no território como algo possível de ser feito por outros agricultores também.
Em tempos de crise climática, o debate sobre a restauração florestal tem ganhado cada vez mais projeção. Como a ação da Tabôa – por meio da facilitação do acesso a recursos financeiros e técnicos – pode contribuir no fortalecimento da ação climática local e na construção de territórios mais resilientes?
Laís Rossato: Nós vivemos uma crise climática de proporções gigantescas e são poucas as respostas prontas para a mitigação das consequências desastrosas que ela pode provocar. No entanto, plantar árvores é sem dúvida uma das soluções mais importantes e eficazes. A ação da Tabôa nesse projeto permite que a conservação possa ser valorizada e o trabalho que ela dá também possa ser valorado. Assim, conseguimos viabilizar que os/as agricultores/as garantam renda enquanto trabalham na restauração, porque tudo precisa ser também economicamente viável, então não podemos esquecer do fator financeiro. Os sistemas agroflorestais agroecológicos e sucessionais são a aposta para driblar esse aparente obstáculo econômico: aliando produção à restauração podemos avançar com esta importante agenda. Nesses sistemas, inicia-se o plantio com plantas de ciclo curto que garantem alimento e venda dos excedentes dentro do prazo de um ano. Na sequência, há o retorno financeiro do plantio da banana, que também é planta de serviço, pois sombreia e melhora o solo para o cacau e para as nativas da Mata Atlântica, que serão plantadas já com o sistema e o solo em melhores condições. Ao longo dos anos, o cacau, que se adapta muito bem as condições de sub-bosque e a juçara que é nativa, serão explorados economicamente. No caso da juçara, o interesse são os frutos que vêm ganhando mercado com o chamado juçaí, a polpa da juçara utilizada da mesma forma que o açaí.
Em que fase está o projeto e o que temos pela frente?
Laís Rossatto: Estamos finalizando a contratação dos créditos. Já temos 25 hectares contratados, que somam 34 projetos em três comunidades: Assentamento Dandara, em Camamu, e Assentamentos Dois Riachões e São João, em Ibirapitanga. Nestas comunidades, estamos a todo vapor, apoiando as famílias agricultoras na compra coletiva dos insumos que serão utilizados, bem como iniciando o preparo das áreas para os plantios: roçagem, balizamento e adubação. O plantio da banana vai iniciar o SAF, na sequência entrarão outros cultivares de ciclo curto com aipim, milho, feijão e abóbora e as chamadas plantas de serviço e adubação verde. Para o próximo mês, além da continuidade dessa fase inicial da implantação, iniciaremos as atividades formativas com oficinas de restauração com foco em nucleação, manejo agroflorestal e feitio da biocalda.
Imagens: do Websérie: "Caminhos de Resiliência - Episódio 3: restauração florestal com inclusão produtiva".
Imagens: do Websérie: "Caminhos de Resiliência - Episódio 3: restauração florestal com inclusão produtiva".