Intercâmbio incluiu visitas à Tabôa, na Bahia, e ao ICOM, em Florianópolis.
Conexões, trocas e aprendizados marcaram o início do mês de março. Fundações e organizações comunitárias brasileiras e norte-americanas apoiadas pela rede Connecting Communities in the Americas – CCA participaram de uma agenda de intercâmbio que fortaleceu o diálogo sobre desenvolvimento comunitário, especialmente em territórios marcados pelo fenômeno da migração.
Com sede nos Estados Unidos, o CCA é uma rede que articula fundações comunitárias nas Américas, para promover comunidades mais resilientes. Por meio de editais, apoia organizações que atuam no continente americano, fomentando também um ambiente de trocas e compartilhamento de experiências. Desde 2022, a Tabôa é parte do grupo e produziu, com apoio do CCA, o Mapeamento de Migrantes em Serra Grande, a fim de gerar insumos para o planejamento de ações, projetos, programas e políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida da população local.
Encontro das diversidades comunitárias: diálogos sobre experiências no Brasil, Estados Unidos e Haiti
No dia 8, a comitiva de organizações participou do Encontro de Diversidades Comunitárias, realizado pela Tabôa, que fomentou o debate sobre desenvolvimento comunitário, migração e territórios. “Não à toa estamos discutindo esse tema aqui no Circo da Lua, iniciativa criada por dois argentinos e que tem impactado positivamente o território de Serra Grande”, comentou Robson Bitencourt, gerente de Desenvolvimento Territorial da Tabôa.
O Encontro foi composto por dois painéis. No primeiro, foram discutidas estratégias de fortalecimento comunitário em contextos de migração, com a participação de iniciativas de base comunitária que atuam em Serra Grande e entorno, com públicos formados por locais e migrantes, e também de fundação comunitária que atua no Haiti. Este momento contou com o compartilhamento de experiências do Circo da Lua, da Associação de Moradores do Bairro Novo (Asmoban) – e da Feira Comunitária Saberes e Sabores, da Escola Dendê da Serra, do Serrana Esporte Clube e da Ayiti Community Trust (EUA).
As iniciativas locais falaram sobre desafios e oportunidades relacionados à chegada de migrantes na comunidade de Serra Grande. No painel, Silvia Reichmann, uma das fundadoras da Escola Dendê da Serra, criada em 2001, contou sobre como tem sido essa interação no contexto da escola, que atua a partir da pedagogia Waldorf. “Buscamos contribuir para a redução da desigualdade e, para isso, temos a maioria de nossos estudantes de famílias menos favorecidas, que são bolsistas integrais. No começo, eram poucos migrantes, hoje tem muito mais. Com isso, também aumentou o número de pessoas que nos procuram e que são pagantes e, então, precisamos criar estratégias para manter o nosso propósito de atender quem mais precisa.”, contou.
Marcos Oliveira, coordenador administrativo-financeiro do Circo da Lua, contou que a iniciativa tem desafios parecidos com a Escola Dendê da Serra, pois as ações são voltadas para a população menos favorecida. “Embora tenha aumentado o número de pagantes, que hoje são 40%, muitos deles migrantes, não queremos ser uma iniciativa privada. Como estratégia, limitamos o número de pagantes. Hoje também temos os primeiros alunos a integrarem a equipe como assistentes de aula, por exemplo. Eles são remunerados e contribuem, assim, para mantermos o nosso propósito de fortalecimento da comunidade. Por isso, a captação de recursos é um desafio para nós, para continuarmos atendendo prioritariamente a população mais vulnerável”, pontuou.
Joselita Machado, militante de base comunitária, integrante da Asmoban e uma das fundadoras da Feira Comunitária Saberes e Sabores, contou que a iniciativa é aberta a quem deseja fortalecê-la. “Mas, para mantermos o protagonismo das mulheres do Bairro Novo, elaboramos um regulamento”, explicou. O atleta Thiago Araújo, do Serrana Esporte Clube, contou como nasceu a iniciativa e como tem crescido na comunidade. “O Serrana nasceu em 2012 com uma corrida de rua, na busca por estimular o esporte em Serra Grande. No dia seguinte, um dos garotos que correram foi à minha porta pedir para continuar praticando esporte. Outras pessoas interessadas foram aderindo. Hoje, crescemos, participamos de diversos campeonatos e vencemos em muitos deles. Fortalecemos o esporte para que os jovens sejam, sobretudo, campeões na vida”, contou.
Os desafios de criar um fundo permanente para apoiar o desenvolvimento no Haiti foi um dos pontos relatados, no painel, por Guerda Nicolas, cofundadora da Ayiti Community Trust (EUA). Ela também destacou a necessidade de escutar a comunidade sobre como direcionar o recurso. “Quando há alguma necessidade, nós precisamos conversar com quem vai receber o apoio, pois eles que sabem como o recurso vai ser melhor utilizado. Quando o furacão passou pelo país, as comunidades rurais que apoiamos não queriam comida, pois eles sabiam plantar. O que eles queriam era acessar insumos para poderem replantar suas fazendas. Então, o que as pessoas querem é que sejamos seus parceiros”, completou.
No segundo painel, foram apresentadas experiências de organizações que atuam no Brasil e nos Estados Unidos, visando conhecer e discutir diferentes perspectivas da migração. Foi a vez do Instituto Comunitário Grande Florianópolis – ICOM (BR), do Connecting Communities in the Americas - CCA, do Community Foundation of Greater Dubuque (EUA) e do San Antonio Area Foundation (EUA) abordarem suas experiências.
Lisa Schalla, diretora de projeto do Connecting Communities in the Americas, trouxe perguntas que motivaram a atuação da organização pela inclusão do tema na agenda das Américas. “O que aconteceria se os países conversassem? Quais os benefícios desse diálogo sobre a migração? Podemos aprender muito com a migração, que é um tema tão natural em diversos países”, comentou.
Jesus Garcia-Gonzalez, oficial sênior de programa do San Antonio Area Foundation (EUA), compartilhou a sua história de migrante mexicano, que se mudou para o país aos 10 anos e que viveu na pele a experiência de atravessar a fronteira. A organização sediada no Texas busca mobilizar recursos por meio de um fundo filantrópico para impactar na comunidade. “Já recebemos 600 mil migrantes de diversos países. Sabemos que as pessoas têm diferentes recepções a depender do seu país de origem. Buscamos proporcionar equidade a quem chega, independentemente de onde venham”, afirmou.
Em Dubuque, no estado norte-americano de Iowa, a Community Foundation of Greater Dubuque busca fortalecer a comunidade, que perdeu 36 mil habitantes nos últimos 10 anos, por falta de oportunidades. No entanto, segundo relatado em painel, a migração traz uma perspectiva de continuidade da comunidade, pois recebeu 27 mil novos moradores vindos de outros países. “Dubuque é uma comunidade pequena, onde todos se conhecem. Um dos desafios é receber bem quem chega, integrá-los”, narrou Alex Baum, diretor de advocacy da organização.
Willian Narzetti, gerente executivo do Instituto Comunitário Grande Florianópolis, fundação comunitária que atua, em Santa Catarina, articulando e apoiando investidores sociais e ações coletivas de interesse público, destacou a importância da produção de conhecimento sobre as comunidades: “Os diagnósticos dão luz a questões que quase ninguém vê. Com eles, podemos pressionar o poder público a trabalhar nas causas para melhorar a qualidade de vida das pessoas”, conclui.
Fique por dentro: Realizado pela Tabôa, o Encontro das Diversidades Comunitárias integra o Engaja Serra, uma iniciativa que busca conectar pessoas e causas para fomentar uma cultura de doação e de engajamento para fortalecimento do protagonismo comunitário no desenvolvimento sustentável da região.
Imagens: Foto 1 ICOM, demais fotos, acervo Tabôa.