Quando o primeiro pé de cacau foi plantado no século XVIII no sul da Bahia, e o cultivo prosperou nessas terras nos séculos seguintes, tornando-se a principal economia da região, todo um modo de vida foi construído em torno da lavoura cacaueira.
O imaginário retratado na literatura do escritor itabunense Jorge Amado traz largamente como vivia o trabalhador rural, os antigos coronéis, como eram suas riquezas a partir da monocultura nas grandes fazendas. Quem anda pelas ruas de Ilhéus, Itabuna, Canavieiras e outros municípios da região percebe na arquitetura dos edifícios mais antigos a força econômica dos tempos de outrora. O reflexo desse imaginário está estampado em nomes de ruas, na gastronomia, em produtos culturais e roteiros de passeios, e até no remake da novela Renascer, atualmente veiculado pela Rede Globo de Televisão, conta essa história e destaca um ponto de virada para os dias atuais.
Nos últimos anos, com questões ambientais e sociais urgentes, o olhar para o território e a busca de soluções mais sustentáveis têm movido novos caminhos para o cultivo do cacau. Essa é uma economia resiliente, que foi fortalecida ao longo das últimas três décadas desde que a praga vassoura-de-bruxa dizimou o cenário descrito nas obras do referido escritor. No lugar dos latifúndios, vemos a pequena e média propriedade rural, com famílias agricultoras que continuam plantando cacau, e que guardam saberes e fazeres, como a quebra do fruto, a pisa da semente e, em alguns casos, ainda entoando cantos de trabalho na lida diária: “Cacau é boa lavra, eu vou colher, na safra do verão, eu vou vender…”
“Nasci debaixo de um pé de cacau. A agricultura familiar faz parte da minha família desde sempre”.
Uma das histórias impactadas pelo cacau é a de Gabriel Chaves, agricultor de Uruçuca (BA) que hoje é gerente do Programa de Desenvolvimento Rural da Tabôa, e cujo propósito de vida é fortalecer a agricultura familiar na cacauicultura. Para ele, o pé de cacau é praticamente um membro da família. “Quem nasce em roça de cacau e de parteira, como eu, geralmente tem o umbigo enterrado no pé do cacaueiro, faz parte da nossa cultura e identidade”, conta.
“Nasci debaixo de um pé de cacau. A agricultura familiar faz parte da minha família desde sempre”, conta Gabriel, que ainda jovem viu o estrago causado pela vassoura-de-bruxa. Como gestor, ele encoraja a diversificação da produção de cacau sob a sombra da Mata Atlântica, o chamado cacau cabruca. Aqui, é recomendado o plantio de banana, cupuaçu, tangerina, abacaxi, laranja e outros cultivos, garantindo colheita o ano todo, soberania alimentar e renda para a família agricultora. “Mesmo sendo o cacau o carro-chefe da região, o fruto não pode ser a única fonte de renda. Não podemos deixar todos os ovos em uma única cesta”, indica Gabriel.
O produtor Lucas Arléo (Ilhéus, BA) também guarda estreita relação com as terras de cacau. “Minha relação com cacau é desde criança. Nasci em Salvador, a fazenda era meu local de férias, onde eu ficava com meu avô”, lembra. Essa ligação com o cacau o trouxe de volta à região. Hoje, sua família produz também chocolate, alguns deles internacionalmente premiados. “Passei a produzir cacau de qualidade em 2016. Hoje, produzimos chocolate, que é feito com as nossas amêndoas”, revela.
Essas e outras histórias evidenciam que a identidade cultural do território cacaueiro no sul da Bahia tem ganhado novos elementos. Está sendo conhecido por ser a terra do chocolate fino, feito com cacau cabruca, com cacau de qualidade e sabor único, produzido boa parte pela agricultora familiar. Muitos dos que têm estreita relação com essas terras desde criança têm participado das transformações, como é o caso de Gabriel e de Lucas. E a história continua criando novas memórias, novos saberes e novos fazeres.
Esta é a última matéria de uma série de três textos sobre o cacau. Para acessar os textos anteriores, basta clicar.
Fotos: Acervo Tabôa | Analee